- Quantos dias de dor de cabeça você teve no último ano?
- Se você pudesse quantizar as decisões importantes que foram tomadas sob o contexto de dor. O que você faria diferente?
Com certeza essa é a realidade de pacientes que sofrem de migrânea crônica, queixa bastante comum em consultórios de neurologia. Por vezes, pulando de médico em médico, buscando novas chances com terapias medicamentosas diversas, com sucessos temporários ou com insucessos sustentados, optando por “acostumar com a dor” e viver às custas de medicação analgésica.
Certa vez, recebi em meu consultório uma jovem advogada com diagnóstico de enxaqueca crônica desde a adolescência, sem tratamento adequado há quase cinco anos. Suas queixas estavam relacionadas a queda de performance, diminuição da paciência para o dia a dia, irritação e problemas de relacionamento afetivo pessoal – direta ou indiretamente ligadas ao impacto da dor em sua vida. Durante nossa conversa, observamos vários pontos possíveis de melhora e calculamos para o último ano: 120 dias dolorosos, 400 comprimidos de analgésicos, 12 visitas a pronto-atendimento e aproximadamente 600 dias de dor nos últimos 5 anos.
Entretanto isso não ocorria porque a paciente não se tratava – muito pelo contrário – já tinha tentado alguns tratamentos com cinco neurologistas diferentes e trazia consigo uma mala repleta de exames. A principal característica do seu insucesso terapêutico estava relacionado a falta de entendimento de sua doença: o insucesso da primeira tentativa a levava para outro médico, e não para outro tratamento com o mesmo médico, mantendo sua Via Crucis.
Diversas condições de saúde tem a mesma característica: são doenças crônicas. E como tal, merecem um cuidado incremental: em camadas e com ganhos pontuais e cumulativos, que depende de diversos fatores:
- Diagnóstico correto,
- Empatia e segurança com o profissional,
- Compreensão do impacto da doença,
- Ajuste e concessões para melhora dos hábitos de vida e rotina diária
- Entendimento das limitações dos tratamentos
- Percepção e tolerância de efeitos colaterais
- Ciência das metas para potenciais melhoras
- E claro, grandes doses de paciência.
Em outras palavras, a questão crucial no tratamento de doenças crônicas envolve ajustar as expectativas e se beneficiar com a somatória de pequenas ações que, em um todo, resultam em melhoras perceptivas.
A enxaqueca crônica é uma doença neurológica muito comum, acometendo nove vezes mais pessoas do sexo feminino, com impacto psicossocial incalculável. Os critérios diagnósticos são bem estabelecidos e muito seguros quando feitos de modo adequado: a avaliação clínica é obrigatória e, por vezes, com necessidade de exames complementares para diferenciar outras causas de cefaleia. Além da dor, o paciente pode apresentar diversos sintomas:
- Náuseas
- Vômitos
- Sensibilidade excessiva a luz e ao som
- Sensação de cansaço
- Limitação para atividades físicas e cognitivas
- Necessidade de ficar recolhido em ambiente escuro
- Sensações visuais como pontos brilhantes ou redução de capacidade visual de modo temporário.
O arsenal de tratamento é vasto, envolvendo medidas não medicamentosas, medicamentosas e procedimentos ambulatoriais como toxina botulínica e anticorpos monoclonais. Todas as terapias com suas indicações e contraindicações específicas para cada caso, inclusive com diversas opções disponíveis no Sistema Único de Saúde. Cabendo ao médico neurologista e ao paciente encontrar a melhor combinação com resultado satisfatório.
O disposição para se tratar e o entendimento da doença fez com que a jovem advogada atingisse uma média de 30 dias de dor por ano, com expressiva melhora da qualidade de vida e satisfação pessoal. Para tanto, não visitou cinco médicos em contatos superficiais. Escolheu confiar em um médico e experimentou muito mais do que cinco estratégias de tratamento medicamentosas e não medicamentosas até encontrar um ponto de equilíbrio para sua dor.